Ética epicurista

filosofia epicurista


Epicuro (341-270), nascido em Samos, de família ateniense, mudou-se para Teos (ao norte de Samos, costa da Ásia Menor), aos 14 anos, para seguir as lições de Nausífanes, discípulo de Demócrito. Aos 35 anos, estabeleceu-se em Atenas, onde fundou sua escola filosófica, a qual, por situar-se num jardim junto aos muros da cidade, ficou conhecida como O Jardim. Sua escola ficou conhecida não apenas pelo seu ensino, mas também pelo cultivo da amizade, a Amizade Epicurista, da qual participavam não apenas homens (como acontecia na Academia de Platão e no Liceu de Aristóteles), mas também mulheres. (FILHO, 2009)

Segundo Diekazeye (2019), Epicuro escreveu mais de 300 trabalhos, dos quais nenhum sobreviveu; deles restam notícias de seus discípulos ou alguns fragmentos. Sua filosofia é de cunho materialista, não havendo espaço para a imortalidade.Alguns de seus seguidores foram Hermarco, Polistrato, Metrodoro de Lâmpsaco, Timócrates etc., os quais, apesar de suas variantes pessoais, apresentaram um pensamento bastante próximo ao do mestre Epicuro.Para Filho (2009), Epicuro talvez tenha sido o primeiro a elaborar uma filosofia que fosse, ao mesmo tempo, visão de mundo e forma de vida. Certamente este também era o espírito de pensadores como Platão e Aristóteles, mas Epicuro viveu as solicitações do novo mundo, que o fizeram sentir com outra intensidade a necessidade de responder a essas questões, concebendo agora o ser humano a partir de outros referenciais. Com efeito, no quadro cosmopolita que lança as bases da compreensão do valor de cada ser humano, Epicuro criticou o que ele considerava como o espiritualismo de Platão, do qual a doutrina de Aristóteles seria apenas uma variante, pois ambos afirmavam a existência de uma dimensão supra-sensível ou inteligível como superior ao sensível e como fundamento dele. Para Epicuro, ao contrário, não haveria nenhuma dimensão inteligível, pois a phýsis ou o elemento físico primordial constituía toda a realidade. Não haveria nada além da natureza que experimentamos pelos cinco sentidos; nada nos leva a crer em algo para além da natureza física. (Idem)
Lá no Jardim, Epicuro escreveu com detalhes a filosofia que iria se tornar conhecida como epicurismo.

Definição do epicurismo


Segundo Diekazeye (2019), o epicurismo é o sistema filosófico que prega a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de liberação do medo, com a ausência de sofrimento corporal pelo conhecimento do mundo e da limitação dos desejos. Já quando os desejos são exarcebados podem ser fonte de perturbações constantes, dificultando o encontro da felicidade que é de manter a saúde do corpo e da serenidade do espírito, ensinado por Epicuro, e os seus discípulos foram denominados epicuristas porquanto seguiram o pensamento do mestre.
Segundo Epicuro, para ser feliz seria necessário controlar os nossos desejos de maneira que o estado de prazer seja estável e equilibrado, com um consequentemente estado de tranquilidade e de ausência da perturbação.

O filósofo acreditava que o maior bem é a procura de prazeres moderados de forma a atingir um estado de tranquilidade, chamado de ataraxia, e de libertação do medo, assim como a ausência de sofrimento corporal, conhecido como aporia; por meio do conhecimento do mundo e da consciência da limitação dos desejos. A combinação desses dois estados constituiria a felicidade na sua forma mais elevada. A finalidade da filosofia de Epicuro não era teórica, mas bastante prática. Buscava sobretudo encontrar o sossego necessário para uma vida feliz e aprazível, na qual os temores perante o destino, os deuses ou a morte estavam definitivamente eliminados.


Elaboração ética de Epicuro


Segundo Filho (2009), Epicuro elabora sua ética com base em três princípios fundamentais: (a) a correta compreensão da natureza dos deuses e a consequente eliminação do seu temor; (b) a correta compreensão da natureza da morte e a consequente eliminação do seu temor; (c) a correta compreensão da natureza dos desejos e a sua consequente boa vivência.
Tais preceitos estruturam o texto conhecido de Epicuro, intitulado Carta sobre a felicidade (Perì tês eudaimonías), ou Carta a Meneceu (um de seus discípulos), que pode ser dividido em 6 grandes partes: exortação ao filosofar; consideração dos deuses; consideração da morte; consideração dos desejos; o prazer e a vida feliz; o prazer é o início e o fim da vida feliz; a conclusão da carta. (FILHO, 2009)
Exortação ao filosofar

Epicuro exorta a todos a filosofar, pois para ele, ninguém é muito jovem ou velho demais para alcançar a saúde da alma. Ele afirma que a felicidade é o resultado da filosofia.
Consideração dos deuses
Epicuro diz que para se buscar a felicidade, é necessário considerar a natureza dos deuses buscando compreendê-los e nessa busca Epicuro percebe que os deuses não fazem parte do mundo físico e sequer têm influências sobre nós, daí, a ideia é não ter medo dos deuses.

Consideração da morte


Para Epicuro, aquele que busca a felicidade é obrigado a investigar também a natureza da morte a fim de saber se a morte deve ou não despertá-lo medo.
Epicuro exorta aos seus leitores a considerarem a morte como nada, pois o sábio não desdenha viver e nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e deixar de viver não é um mal.
Consideração dos desejos
Segundo Epicuro, o conhecimento seguro dos desejos permite direcionar toda escolha e toda recusa em função da saúde do corpo e da serenidade do espírito. Ele classifica os desejos como:
Naturais e necessários: os que eliminam a dor, como a bebida e a comida;
Naturais, mas não necessários: os que somente dão cor ao prazer, mas não extirpam a dor, como os alimentos refinados;
Nem naturais nem necessários: as coroas e as estátuas, por exemplo.

O prazer e a vida feliz


Epicuro dedicou-se a investigar o que seria prazer e para a sua análise (do prazer) pós-se a analisá-lo com a posse da saúde do corpo e da serenidade da alma. Na posse disso, os humanos ficam satisfeitos e não sentem necessidade de nada. Mas tem vezes em que devemos evitar os prazeres quando deles advém efeitos desagradáveis.
Ele afirma que, se o que move nossa conduta é a busca do prazer, será sábio quem for capaz de calcular correctamente quais actividades que nos proporcionam maior prazer e menor sofrimento, ou seja, quem conseguir levar a sua vida calculando a intensidade e a duração dos prazeres, desfrutando dos que têm menos consequências dolorosas e dividindo-os com moderação ao longo da existência.
As condições que tornam possível a verdadeira sabedoria e a autêntica felicidade são: o prazer e o entendimento reflexivo.

Conclusão da carta


Na conclusão da sua carta Epicuro exorta o leitor a meditar constantemente sobre o seu conteúdo e assegurando-lhe que, se o fizer, será como um deus, pois um mortal que vive entre bens imortais assemelhar-se a um ser imortal

EPICURISMO – A FELICIDADE E A AMIZADE

Epicuro acreditava que o maior de todos os bens era a felicidade, a qual consistia no que conceituou de ataraxia, espécie de estado de tranquilidade em que haveria a libertação do medo e a ausência de sofrimento corporal. Filho de Neocles, nasceu em Janeiro ou Fevereiro de 341 a.C. em Samos, onde passou a sua juventude. Começou a ocupar- se de filosofia aos 14 anos. Em Samos escutou as lições do platónico Panflo e depois do democritiano Nausífone. Provavelmente foi este último que o iniciou na doutrina de Demócrito, do qual, por algum tempo, se considerou discípulo. Só mais tarde afirmou a completa independência da sua doutrina da do seu inspirador, a quem julgou então poder designar com o arremedo de Lerocrito (tagarela). Aos 18 anos, Epicuro dirigiu-se a Atenas. Não está demonstrado que tenha frequentado as lições de Aristóteles e de Xenócrates que era naquele tempo o chefe da Academia. Começou a sua actividade de mestre aos 32 anos, primeiro em Mitilene e em Lâmpsaco, e alguns anos depois em Atenas (307-06 a.C.), onde permaneceu até à sua morte (271-70).

A escola tinha a sua sede no jardim (kepos) de Epicuro pelo que os seus sequazes foram chamados “filósofos do jardim”. A autoridade de Epicuro sobre os seus discípulos era muito grande. Como as outras escolas, o Epicurismo constituía uma associação de carácter religioso, mas a divindade a que era dedicada esta associação era o próprio fundador da escola. “As grandes almas epicuristas - diz Séneca - não as formou a doutrina mas a assídua companhia de Epicuro”. Tanto durante a sua vida como depois da sua morte, lhe tributaram os discípulos e os amigos honras quase divinas e procuraram modelar a sua conduta pelo seu exemplo. “Comporta-te sempre como se Epicuro te visse” - era o preceito fundamental da escola.

Epicuro foi autor de numerosos escritos, cerca de 300. Restam- nos apenas três cartas conservadas por Diógenes Laércio (livro X): a primeira, a Heródoto, é uma breve exposição de física; a segunda, a Meneceu, é de conteúdo ético; e a terceira, a Pitocles, de atribuição duvidosa, trata de questões metereológicas. Diógenes Laércio conservou-nos também as Máximas capitais e o Testamento. Num manuscrito vaticano foi encontrada uma colecção de Sentenças e nos papiros de Herculano fragmentos da obra Sobre a Natureza.

A ESCOLA EPICURISTA

O mais notável dos discípulos imediatos de Epicuro foi Metrodoro de Lâmpsaco cujos escritos foram na sua maior parte de conteúdo polémico. Mas contaram-se numerosíssimos discípulos e amigos de Epicuro e entre eles não faltaram as mulheres como Temistia e a hetaira Leontina que escreveu contra Teofrasto. Com efeito, as mulheres podiam também participar na escola, já que ela se fundava na solidariedade e na amizade dos seus membros o as amizades epicuristas foram famosas em todo o mundo antigo pela sua nobreza.Todavia, nenhum discípulo trouxe uma contribuição original para a doutrina do mestre. Epicuro exigia dos seus sequazes a rigorosa observância dos seus ensinamentos; e a esta observância se manteve fiel a escola durante todo o tempo da sua duração (que foi longuíssima, até ao século IV d.C.).

CARACTERÍSTICAS DO EPICURISMO

Epicuro vê na filosofia o caminho para alcançar a felicidade, entendida como libertação das paixões. O valor da filosofia é, pois, puramente instrumental: o seu fim é a felicidade. Mediante a filosofia o homem liberta-se de todo o desejo inquieto e molesto; liberta-se também das opiniões irracionais e vãs e das perturbações que delas procedem.

A investigação científica destinada a investigar as causas do mundo natural não tem um fim diferente. “Se não estivéssemos perturbados pelo pensamento das coisas celestes e da morte e por não conhecermos os limites das dores e dos desejos, não teríamos necessidade da ciência da natureza”. O valor da filosofia está, pois, inteiramente em dar ao homem um “quádruplo remédio”:

1. Libertar os homens do temor dos deuses, demonstrando que pela sua natureza feliz, não se ocupam das obras humanas.

2. Libertar os homens do temor da morte, demonstrando que ela não é nada para o homem: “quando nós existimos, não existe a morte; quando a morte existe, não existimos nós”.

3. Demonstrar a acessibilidade do limite do prazer, isto é, o alcançar fácil do próprio prazer;

4. Demonstrar a distância do limite do mal, isto é, a brevidade e a provisoriedade da dor.

Deste modo a doutrina epicurista manifestava claramente a tendência de toda a filosofia pós-aristotélica para subordinar a investigação especulativa a um fim prático, reconhecido como válido independentemente da própria investigação, de modo que vinha a ser negado a tal investigação o valor supremo que lhe atribuem os filósofos do período clássico: o de ela própria determinar o fim do homem e de ser, já como investigação, parte integrante deste fim.

Epicuro distingue três partes da filosofia: a canónica, a física e a ética. Mas a canónica era concebida em relação tão estreita com a física que se pode dizer que, para o Epicurismo, as partes da filosofia são apenas duas: a física e a ética. Em todo o domínio do conhecimento o fim que é necessário ter presente é a evidência (enàrgheia): “a base fundamental de tudo é a evidência”, dizia Epicuro.

A ÉTICA DE EPICURO

A ética epicurista é, em geral, uma derivação da cirenaica. A felicidade consiste no prazer: “o prazer é o princípio e o fim da vida feliz”, diz Epicuro. Com efeito, o prazer é o critério da eleição e da aversão: tende-se para o prazer, foge-se da dor. Ele é também o critério com que avaliamos todos os bens. Mas há duas espécies de prazeres: o prazer estável que consiste na privação da dor e o prazer em movimento que consiste no gozo e na alegria. A felicidade consiste apenas no prazer estável ou negativo, “no não sofrer e no não agitar-se” e é, portanto, definida como ataraxia (ausência de perturbação) e aponia (ausência de dor). O significado destes dois termos oscila entre a libertação temporal da dor da necessidade e a ausência absoluta de dor. Em polémica com os Cirenaicos que afirmavam a positividade do prazer, Epicuro afirma explicitamente que “o cume do prazer é a simples e pura destruição da dor”.
Este carácter negativo do prazer impõe a escolha e a limitação das necessidades. Epicuro distingue as necessidades naturais e as inúteis; das necessidades naturais, umas são necessárias, outras não. Daquelas que são naturais e necessárias, umas são necessárias à felicidade, outras à saúde do corpo, outras à própria vida. Só os desejos naturais e necessários devem satisfazer-se; os demais devem abandonar-se e rechaçar-se. O epicurismo que, portanto, não o abandono ao prazer, mas o cálculo e a medida dos prazeres. Tem de se renunciar aos prazeres de que deriva uma dor maior e suportar até largamente as dores de que deriva um prazer maior. “A cada desejo é conveniente perguntar: que sucederá se for satisfeito? Que acontecerá se não for satisfeito? Só o cálculo cuidadoso dos prazeres pode conseguir que o homem se baste a si próprio e não se converta em escravo das necessidades e da preocupação pelo amanhã. Mas este cálculo só se pode ficar a dever à sabedoria. A sabedoria é mais preciosa do que a filosofia, porque por ela nascem todas as outras virtudes e sem ela a vida não tem doçura, nem beleza, nem justiça”. A virtude, e especialmente a sabedoria que é a primeira e a fundamental, aparecem assim a Epicuro como condição necessária da felicidade. À sabedoria se deve o cálculo, a escolha e a limitação das necessidades e, portanto, o alcançar da ataraxia e da aponia.
Num passo famoso do escrito sobre o fim, Epicuro afirma explicitamente o carácter sensível de todos os prazeres. “Em minha opinião - diz ele - não sei conceber que coisa é o bem se prescindo dos prazeres do gosto, dos prazeres do amor, dos prazeres do ouvido, dos que derivam das belas imagens percebidas pelos olhos e, em geral, todos os prazeres que os homens têm pelos sentidos. Não é verdade que só o gozo da mente é um bem; dado que também a mente se alegra com a esperança dos prazeres sensíveis em cujo disfrute a natureza humana pode livrar-se da dor”. É claro aqui que o bem se restringe ao âmbito do prazer sensível ao qual pertence também o prazer que a música dá (“os prazeres dos sons”) e a contemplação da beleza (“prazeres das belas imagens”); e que o prazer espiritual se reduz à esperança do próprio prazer sensível.
Pode ser que o caráter polêmico do fragmento dirigido provavelmente contra o protréptico de Aristóteles, o qual platonicamente exaltava a superioridade do prazer espiritual, tenha levado Epicuro a acentuar a sua tese da sensibilidade do prazer. Mas é claro que esta tese deriva necessariamente da sua doutrina fundamental que faz da sensação o cânon fundamental da vida do homem. Que o verdadeiro bem não seja o prazer violento, mas o estável da aponia e da ataraxia não é coisa que contradiga a tese da sensibilidade do prazer porque a aponia é “o não sofrer no corpo” e a ataraxia é “o não ser perturbado na alma” pela preocupação da necessidade corpórea.
Mas, por isto, a doutrina de Epicuro não se pode confundir com um vulgar hedonismo. Opor-se-ia a tal hedonismo o culto da amizade que foi característico da doutrina e da conduta prática dos Epicuristas. “De todas as coisas que a sabedoria nos oferece para a felicidade da vida, a maior é de longe a aquisição da amizade”. A amizade nasceu do útil, mas ela é um bem por si mesma. O amigo não é aquele que procura sempre o útil, nem quem nunca o une à amizade, dado que o primeiro considera a amizade como um tráfico de vantagens, o segundo destrói a confiada esperança de ajuda que constitui grande parto da amizade.

A atitude do epicurista para com os homens em geral é definida pela máxima: “É não só mais belo, mas também mais agradável fazer o bem do que recebê-lo”. Nesta máxima o prazer surge de facto como fundamento e a justif cação da solidariedade entre todos os homens. E, na verdade, Diógenes Laércio testemunha-nos o amor de Epicuro pelos seus pais, a sua fidelidade aos amigos, o seu sentido de solidariedade humana.

REFERÊNCIAS

ABAGNANO, N. História da f losof a. Volume III. Trad. bras. Armando da Silva Carvalho. Lisboa: Editorial Presença, 1969.

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P.: Introdução a Filosof a. São Paulo: Ed. Moderna, 2009.

O ESTOICISMO – A vida virtuosa como caminho para a Felicidade

Das três grandes escolas pós-aristotélicas, a estoica foi de longe, do ponto de vista histórico, a mais importante.

O fundador da escola foi Zenão, em Chipre, de quem se conhece com verosimilhança o ano do nascimento, 336-35 a.C., e o ano da morte, 264-6.

Chegado a Atenas com os seus vinte e dois anos, entusiasmou-se, através da leitura dos escritos socráticos (os Memoráveis de Xenofonte e a Apologia de Platão), pela figura de Sócrates e julgou ter encontrado um Sócrates redivivo no cínico Cratete, de quem se fez discípulo. Seguidamente foi também discípulo de Estilpon e de Teodoro Crono. Por volta do ano 300 a.C., fundou a sua escola no Pórtico Pintado (Stoà poikíle), pelo que os seus discípulos se chamaram Estoicos. Dos seus numerosos escritos (República, Sobre a Vida segundo a Natureza, Sobre a Natureza do Homem, Sobre as Paixões, etc.) restam-nos apenas fragmentos. Os seus primeiros discípulos foram Ariston de Quios, Erilo de Cartago, Perseu de Citium e Cleanto de Assos, na Tróade, que lhe sucedeu na direcção da escola.

A produção literária de todos estes filósofos, que deve ter sido imensa, perdeu-se e dela só nos restam fragmentos. Estes nem sempre são referidos a um autor singular, mas amiúde aos Estoicos em geral, de modo que se torna muito difícil distinguir, na massa das notícias que nos chegaram, a parte que corresponde a cada um dos representantes do Estoicismo. Por isso se deve expor a doutrina estoica no seu conjunto, mencionando, quando possível, as diferenças ou as divergências entre os vários autores.

CARACTERÍSTICAS DA FILOSOFIA ESTOICA

A filosofia é exercício de virtude, mas por meio da própria virtude, já que não pode haver virtude sem exercício, nem exercício de virtude sem virtude.
O conceito da filosofIa vinha assim a coincidir com o da virtude. O seu fim é alcançar sabedoria que é a “ciência das coisas humanas e divinas”; mas a única arte para alcançar a sabedoria é precisamente o exercício da virtude. Ora as virtudes mais gerais são três: a natural, a moral e a racional.

A ÉTICA ESTOICA

Deus confiou a realização e a conservação da ordem perfeita do cosmos no mundo animal a duas forças igualmente infalíveis: o instinto e a razão. O instinto (hormé) guia infalivelmente o animal na conservação, na alimentação, na reprodução e em geral a tomar cuidado consigo para os f ns da sua sobrevivência. A razão é, por outro lado, a força infalível que garante o acordo do homem consigo próprio e com a natureza em geral.

A Ética dos Estoicos é, substancialmente, uma teoria do uso prático da razão, isto é, do uso da razão com o fim de estabelecer o acordo entre a natureza e o homem. Zenão afirmava que o fim do homem é o acordo consigo próprio, isto é, o viver “segundo uma razão única e harmónica”. Ao acordo consigo próprio, Cleanto acrescentou o acordo com a natureza e por isso define o fim do homem como “a vida conforme a natureza”. E Crisipo exprimo a mesma coisa dizendo: “viver conforme com a experiência dos acontecimentos naturais”. Mas parece que já Zenão tinha adoptado a fórmula do “viver segundo a natureza”. E indubitavelmente esta é a máxima fundamental da doutrina estoica.
Por natureza, Cleanto entendia a natureza universal, Crisipo não só a natureza universal mas também a humana que é parte da natureza universal. Para todos os Estoicos, a natureza é a ordem racional, perfeita e necessária que é o destino ou o próprio Deus. Por isso Cleanto orava assim: “Conduz-me, ó Zeus, e tu, Destino, aonde por vós sou destinado e vos servirei sem hesitação: porque ainda que eu não quisesse, vos deveria seguir igualmente como estulto”. Ora a ação que se apresenta conforme com a ordem racional é o dever (kathêkon): a ética estoica é, pois, fundamentalmente uma ética do dever e a noção do dever, como conformidade ou conveniência da ação humana com a ordem racional, torna-se, pela primeira vez, nos Estoicos, a noção fundamental da Ética. Efectivamente, nem a Ética platónica nem a Ética aristotélica fazem referência à ordem racional do todo, assumindo como seu fundamento, para a primeira, a noção de justiça, para a segunda, a de felicidade. A noção de dever não surgia no seu âmbito e nelas dominava a noção de virtude como caminho para realizar a justiça ou felicidade.

“Os Estoicos chamam dever àquilo cuja escolha pode ser racionalmente justificada. Das ações realizadas pelo instinto algumas são próprias do dever. Outras nem próprias do dever nem contrárias ao dever. Próprias do dever são aquelas que a razão aconselha efetuar, como honrar os pais, os irmãos, a pátria e viver em harmonia com os amigos. Contra o dever são aquelas que a razão aconselha a não fazer... Nem próprias do dever nem contrárias ao dever são aquelas que a razão nem aconselha nem condena, como levantar uma palha, pegar numa pena, etc.”.
Como nos refere Cícero, os Estoicos distinguiam o dever reto, que é perfeito e absoluto e não pode encontrar-se em mais ninguém a não ser no sábio, e os deveres “intermédios” que são comuns a todos e muitas vezes só são realizados com a ajuda da boa índole e de uma certa instrução. Esta prevalência da noção do dever levou os Estoicos a uma doutrina típica da sua Ética: a justificação do suicídio. Efetivamente, quando as condições contrárias ao cumprimento do dever prevalecem sobre as favoráveis, o sábio tem o dever de abandonar a vida mesmo se está no cume da felicidade. Sabemos que muitos mestres do Stoa seguiram este preceito que é, na realidade, a consequência da sua noção do dever.
Todavia, o dever não é o bem. O bem começa a existir quando a escolha aconselhada pelo dever vem repetida e consolidada, mantendo sempre a sua conformidade com a natureza, até tornar- se no homem uma disposição uniforme e constante, isto é, uma virtude. A virtude é, efetivamente, o único bem. Mas só é própria do sábio, isto é, daquele que é capaz do dever reto e se identifica com a própria sabedoria porque esta não é possível sem o conhecimento da ordem cósmica à qual o sábio se adequa. A virtude pode ter nomes diferentes segundo os domínios a que é referida (a sabedoria incide sobre os objetivos do homem, a temperança sobre os impulsos, a fortaleza sobre os obstáculos, a justiça sobre a distribuição dos bens).

Mas, na realidade, existe uma só virtude e só a possui integralmente aquele que sabe entender e compreender e cumprir o dever, isto é, só o sábio.
Entre a virtude e o vício não há, portanto, meio termo. Como um pedaço de madeira ou é direito ou curvo sem possibilidade intermédia, assim o homem é justo ou é injusto e não pode ser justo ou injusto só parcialmente. De facto, aquele que tem a reta razão, isto é, o sábio, faz tudo bem e virtuosamente, enquanto quem é privado da reta razão, o estulto, faz tudo mal e de maneira viciosa. É pois que o contrário da razão é a loucura, o homem que não é sábio é louco. Pode-se certamente progredir para a sabedoria. Mas como quem está submerso pela água, ainda que esteja pouco abaixo da superfície, não pode respirar como se estivesse nas águas profundas, assim aquele que avançou para a virtude, mas não é virtuoso, não está menos na miséria do que aquele que está mais longe dela.

Fonte:

ABAGNANO, N. História da f losof a. Volume III. Trad. bras. Armando da Silva Carvalho. Lisboa: Editorial Presença, 1969.

A FILOSOFIA HELENÍSTA E A PREVALÊNCIA DO PROBLEMA MORAL

Características Gerais do período helenístico

O Helenismo é o fenômeno da universalização da língua e da cultura gregas, de sua expansão pelos países orientais (Ásia Menor, Egipto, Pérsia), que os exércitos de Alexandre tinham aberto à influência espiritual da Grécia.

O período da história da Filosofia conhecido como helenista é caracterizado pelo surgimento de várias escolas filosóficas, dentre as quais se destacam o estoicismo (que encontra em Zenão de Cítio um de seus maiores expoentes), o epicursimo (nome devido a seu máximo representante, Epicuro), o ceticismo (também conhecido por pirronismo devido a Pirro de Élida) e o cinismo (de Diógenes).

A filosofia helenista geralmente é considerada como a fase final da Filosofia Grega, que vai do fim do séc. IV a.C. até o VI d. C., fazendo a ponte entre o período antigo e o medieval, marcadamente por seus dois momentos (o moral e o religioso). 

A conquista da Macedônia e a consequente mudança da vida política e social do povo grego encontra expressão no caráter fundamental da filosofia pós-aristotélica. É costume exprimir tal característica dizendo que este período da filosofIa é assinalado pela prevalência do problema moral.

A investigação filosófica no período que vai de Sócrates a Aristóteles dirigira-se para realização da vida teorética, entendida como unidade da ciência e da virtude, isto é, do pensamento e da vida. Mas destes dois termos, que já Sócrates unificava completamente, o primeiro prevalecia nitidamente sobre o segundo. Para Sócrates a virtude é e deve ser ciência e não há virtude fora da ciência. Platão conclui no Filebo os aprofundamentos sucessivos da sua investigação dizendo que a vida humana perfeita é uma vida mista de ciência e de prazer, na qual a ciência prevalece. Aristóteles considera a vida teorética como a mais alta manifestação da vida do homem e ele mesmo encara e defende com a sua obra os interesses desta actividade, levando a sua investigação a todos os ramos do cognoscível. Só a partir dos Cínicos o equilíbrio harmônico entre ciência e virtude se rompe pela primeira vez: eles puseram o acento no peso da virtude em detrimento da ciência e tornaram-se partidários de um ideal moral propagandístico e popular, chegando a ser gravemente infiéis aos ensinamentos do seu mestre.
Mas a rotura definitiva da harmonia da vida teorética a favor do segundo dos seus termos, a virtude, encontra-se na filosofia pós- aristotélica. A fórmula socrática – a virtude é ciência – é substituída pela fórmula a ciência é virtude. O objetivo imediato e urgente é a busca de uma orientação moral, à qual deve estar subordinada, como ao seu fim, a orientação teorética. O pensamento deve servir a vida, não a vida o pensamento. Na nova fórmula, os termos que na antiga encontravam a sua unidade são opostos um ao outro, de modo que se sente a necessidade de escolher entre eles o termo que mais importa e subordinar-lhe o outro. A filosofia é ainda e sempre procura; mas procura de uma orientação moral, de uma conduta de vida que não tem já o seu centro e a sua unidade na ciência, mas subordina a si a ciência como o meio ao fim.

Para resolver os problemas éticos nesse período de profundas transformações, surgiram quatro grandes movimentos filosóficos: o estóico, epicurista, cético e eclético. 

O Estoicismo 

O Estoicismo, de Zenão de Cítio (320 A 250 a.C.

O estoicismo é o movimento filosófico mais original do período do helenístico e também o que teve a duração mais longa: fundado nos fins do século IV a.C., continuou a florescer até depois do século III d.C.

Os representantes desta escola, conhecidos como estóicos, defendiam uma atitude de completa austeridade física e moral, baseada na resistência do homem ante os sofrimentos e os males do mundo. Seu ideal de vida, designado pelo termo gregoapathéia (que costuma ser mal traduzido por “apatia”), era alcançar uma serenidade diante dos acontecimentos fundada na aceitação da “lei universal do cosmos”, que rege toda a vida;

A felicidade, como sumo bem, consistia na apatia, ou eliminação das paixões. 

EPICURISMO

O Epicurismo, de Epicuro (324-271 a.C)

O epicursimo, fundado por Epicuro de Samos, é uma filosofia que se contrapõe ao estoicismo. É essencialmente materialista, mecanicista, sensitiva e hedonista. 

Propunha a idéia de que o ser humano deve buscar o prazer da vida. No entanto, distinguia, entre os prazeres, aqueles que são duradouros e aqueles que acarretam dores e sofrimentos, pois o prazer estaria vinculado a uma conduta virtuosa. Para Epicuro, o supremo prazer seria de natureza intelectual e obtido mediante o domínio das paixões (prazeres corporais como comer em excesso, dormir em excesso, beber em excesso, a busca de prazeres sexuais sem limites, fumar etc).

Os epicuristas procuravam a ataraxia, termo grego que usavam para designar o estado em que não havia dor (aponia), de quietude, serenidade, imperturbabilidade da alma (ataraxia). O epicurismo, posteriormente, serviu de base ao hedonismo, filosofia que também defende a busca do prazer, mas que não diferencia os tipos de prazeres, tal como faz Epicuro;

CEPTICISMO

O Cepticismo (pirronismo), de Pirro de Élida (365-275 a.C). 

O termo cepticismo vem de sképsis, que significa "investigação", "procura". Ele quer indicar mais precisamente que a sabedoria não consiste no conhecimento da verdade, mas na sua procura.

Segundo suas teorias, nenhum conhecimento é seguro, tudo é incerto, ou seja, não existe verdade absoluta. O pirronismo defendia que se deve contentar com as aparências das coisas, desfrutar o imediato captado pelos sentidos e viver feliz e em paz, em vez de se lançar à busca de uma verdade plena, pois seria impossível ao homem saber se as coisas são efectivamente como aparecem. Assim, o pirronismo é considerado uma forma de cepticismo, que professa a impossibilidade do conhecimento, da obtenção da verdade absoluta;

CINISMO

O Cinismo - o termo cinismo vem do grego kynos, que significa “cão”, e designa a corrente dos filósofos que se propuseram a viver como os cães da cidade, sem qualquer propriedade ou conforto. Levavam ao extremo a filosofia de Sócrates, segundo a qual o homem deve procurar conhecer a si mesmo e desprezar todos os bens materiais. Por isso Diógenes, o pensador mais destacado dessa escola, é conhecido como o “Sócrates demente”, ou o “Sócrates louco”, pois questionava os valores e as tradições sociais e procurava viver estritamente conforme os princípios que considerava moralmente corretos. São inúmeras as histórias e acontecimentos na vida desse filósofo que o tornaram uma figura instigante da história da filosofia.

Ambas as Escolas têm como eixo comum a busca pela Felicidade (eudaimonia), ou seja, a realização pessoal em meio à sociedade.

Fonte

ABAGNANO, N. História da Filosofia. Volume III. Trad. bras. Armando da Silva Carvalho. Lisboa: Editorial Presença, 1969.
COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia.  São Paulo: Saraiva, 2005.
MONDIM, Baptista. Introdução a filosofia. Paulus, São Paulo, 1980.

A religião no mundo grego

Segundo o dicionário de filosofia, religião significa etimologicamente obrigação. Para Cícero, derivaria do relegere: aqueles que cumpriram cuidadosamente todos os actos de culto divino e, por assim dizer, os reliam atentamente. Foram chamados de religiosos-de relegere.

Na Grécia, berço da filosofia, a primeira explicação das coisas foi essencialmente mítica e ao mesmo tempo genuinamente religiosa.

Quando se fala de religião grega, é necessário distinguir entre a religião pública, que tem sua mais bela expressão em Homero e a religião dos mistérios.

Religião pública

Tem seu modelo na representação dos deuses e do culto que foi dada por Homero. É essencialmente hierofânica, antropomórfica e naturalista.

Hierofânica enquanto vê em qualquer evento cósmico uma manifestação do divino: tudo o que acontece é obra dos deuses. Todos os fenómenos naturais são provocados pelos numes: os trovões e os raios são arremessados do alto por Zeus, as ondas do mar são levantadas pelo tridente de poseidon, os ventos são impelidos por Éolo.

Antropomórfica enquanto os deuses são forças naturais calcadas em formas humanas idealizadas, aspectos do homem sublimados, personalizados, forças do homem cristalizadas em belíssimas formas. Os deuses da religião natural (pública) são pois, diferentes do homem comum apenas por quantidade e não por qualidade. É por isso que os estudiosos classificam a religião pública dos gregos como uma forma de naturalismo, uma vez que ela pede ao homem não propriamente que ele mude sua natureza, ou seja, que se eleve acima de si mesmo. Ao contrário pede que seja sua própria natureza. Fazer em honra dos deuses o que está em conformidade com a própria natureza é tudo o que se pede ao homem.

Outra característica da religião grega é não ser revelada mas natural. Os Gregos não tinham livros sagrados ou tidos como fruto de revelação divina. Por isso eles não tinham uma dogmática fixa e imutável. Pelo mesmo motivo não havia na Grécia uma casta sacerdotal encarregada da guarda do dogma.

Religião dos mistérios

Nem todos os gregos consideravam suficiente a religião pública, por isso, em círculos restritos desenvolveram-se os mistérios, com as próprias crenças específicas e com as próprias práticas. Entre os mistérios, os que mais influiram na filosofia grega foram os mistérios Órficos.

O orfismo e os órficos derivam seu nome do poeta Trácio Orfeu, seu suposto fundador, cujos traços históricos são inteiramente cobertos pela névoa do mito.

Os pontos mais importantes da religião dos mistérios (orfismo) são os seguintes:

a) No homem reside um princípio divino, um demônio, unido a um corpo por causa de uma culpa original;

b) Este demônio é imortal e, por isso não morre com o corpo, mas deve passar por uma série de reencarnações até expiar completamente sua culpa;

c) A vida órfica com suas práticas de purificação, é a única que pode pôr fim ao ciclo de reencarnações;

d) Por isso, quem vive a vida órfica entrará depois desta existência, no estado de felicidade perfeita, ao passo que quem vive outro tipo de vida será condenado a ulteriores reencarnações.

Como afirmam REALE & ANTISERI, o núcleo central do orfismo resulta que, o destino último do homem é o de voltar a estar junto aos deuses.

Diferença entre a religião pública e a religião dos mistério

A principal diferença entre a religião pública e a religião dos mistérios diz respeito às relações entre alma e corpo. Enquanto a religião pública tem uma concepção unitária da alma e do corpo, a religião dos mistérios professa uma concepção dualista.

Na religião pública não se impõe nenhuma asce, mas se encoraja o pleno desenvolvimento e a plena satisfação de qualquer capacidade, força e paixão. Na religião dos mistérios, impõe se uma ascese muito rigorosa.

O Existencialismo e a vida como destino para a morte

1. O existencialismo 

foi uma corrente filosófica que mais chamou a atenção após a segunda guerra mundial. Tem suas raízes no pensamento de filósofos do século XIX, com Kiekegaard e Nietzsche.

O existencialismo surgiu nos anos de 1940 e 1950, como resposta às tragédias vivenciadas pela Europa durante a segunda guerra mundial, constituindo-se em uma corrente filosófica que ultrapassou as paredes das universidades, influenciando diversas áreas como, o jornalismo, os intelectuais, a poesia, os romances, o teatro, o cinema e as demais manifestações culturais daquela época. 

Para o existencialismo não existe determinações naturais ou de qualquer outra espécie que fazem o homem seguir este ou aquele caminho, nem uma essência pré-determinada que direciona a vida humana a um destino imutável. O homem devido a sua estrutura mental, atribui sentido lógico ao mundo e a si mesmo, sendo que tal sentido não é determinado por nada. No entanto, o centro das reflexões do existencialismo é a existência humana, o homem concreto.

O homem não deveria se fiar em esperança futura, em uma vida após a morte, como o objectivo e sentido de sua vida, mas sim deve buscar no quotidiano o sentido e a realização de sua existência.

Os filósofos existencialistas negam a crença de que o sofrimento possa levar a uma realidade transcendente melhor e que, por isso o homem deveria assumir uma postura de passividade diante do mundo e de si mesmo. O homem deveria buscar, com suas próprias forças transpor os obstáculos que se colocam à sua realização e, construir sua vida a partir de sua própria consciência, empenhando-se para superar suas limitações, sem ilusões e superstições, construindo a si mesmo e buscando a felicidade na vida concreta.

Uma das origens do existencialismo encontra-se na fenomenologia, movimento elaborado por Edmund Husserl.

A fenomenologia

Acompanhando o pensamento de René Descartes, Husserl afirmava que a consciência humana é inquestionável e consiste na origem de qualquer conhecimento. Assim, a investigação acerca do mundo e das coisas imateriais não ocorre na coisa em si, mas na sua representação na mente humana, no fenómeno dessa coisa.

O homem não não deveria buscar o objecto em si, uma vez que que ele não pode ser alcançado e nem sequer pode ser provada a sua existência, pelo contrário, para conhecer o mundo, o sujeito deve se prender unicamente na consciência do objecto representado em sua mente. Portanto, o homem deve abandonar as perguntas sobre o mundo em si mesmo, porque ele não está acessível, devendo se preocupar com a representação do mundo em sua mente, já que não há dúvidas quanto à existência desta representação, a qual está directamente aberta à investigação humana. 

A fenomenologia pertenceu a uma corrente Corrente conhecida como filosofia da consciência ou filosofia da subjectividade, sendo que sua preocupação era pensar a consciência reflexiva do homem sobre o mundo. Logo, de acordo com essa corrente filosófica, não haveria mais problemas para escolher entre o realismo e o idealismo, uma vez que o conhecimento consistia em uma representação do mundo na mente do homem. 

A fenomenologia é o método e a filosofia que fornecem os conceitos básicos para a reflexão existencialista.
O postulado básico da fenomenologia é a noção de intencionalidade pela qual se considera que toda consciência é intencional, tende para algo fora de si.
Isso significa que, contrariamente ao que afirmavam os racionalistas do século XVI, e os empiristas, toda consciência é consciência de alguma coisa e, não há objecto em si, já que o objecto é sempre para um sujeito que lhe dá significado. 

O método fenomenológico

O método fenomenológico baseia-se na observação e na descrição do fenómeno, fundamentando-se na observação e na descrição daquilo que aparece à consciência na mente humana.
Constitui-se como uma investigação sistemática da consciência e de seus objectos, os quais se definem na relação que mantém com os estados mentais, não havendo distinção entre aquilo que é percebido e a percepção humana.
A experiência inclui, assim, não só a percepção sensorial, mas todo o objecto do pensamento.
O método fenomenológico de Husserl serviu como uma das mais importantes bases para o existencialismo, uma vez que essa corrente filosófica se deteve não no mundo em si mesmo ou na crença de que existiriam essências anteriores ao homem e a sua consciência. Mas sim, na ideia de que era possível fazer uma análise fenomenológica do mundo moral, da vida e das experiências humanas sem que, para isso, fosse necessário prender o pensamento em algo pré-estabelecido ou com existência independente do homem. Nesse aspecto, encontra-se a ideia mais importante do existencialismo Sartriano, a qual afirma que a existência precede a essência, ou seja, que o homem constrói a partir do seu pensamento, a sua vida de acordo com as suas representações de sua existência.

No campo do existencialismo, dois filósofos merecem destaque: Heidegger, um dos mais importantes filósofos do existencialismo, e Sartre, considerado o mais representativo pensador existencialista. 

2. Martin Heidegger (1889-1976)

Heidegger, discípulo de Husserl, na obra Ser e Tempo usa o método fenomenológico para discutir e elaborar uma teoria do ser. Para tal, Heidegger parte da análise do ser do homem, que ele denomina Dasein. Esta expressão alemã significa o ser-aí, ou seja, o homem é um ser-no-mundo. Retomando a noção de intencionalidade, o ser humano não é uma consciência separada do mundo: ser é estourar, eclodir no mundo. O ser-aí não é a consciência separada do mundo, mas está numa situação dada, toma conhecimento do mundo que ele próprio não criou e ao qual se acha submetido num primeiro instante. A isso chamamos facticidade. Assim, além da herança biológica, o homem recebe a herança cultural que depende do tempo e do lugar em que nasceu.
A partir do ser-aí, Heidegger demonstra a especificidade do ser do homem, que é a existência.

Se o homem é lançado no mundo de maneira passiva, pode tomar a iniciativa de descobrir o sentido da existência e orientar suas acções em direcções mais diversas. A isso se chama transcêndencia. No processo, o homem descobre a temporalidade, pois, ao tentar compreender o seu ser, dá sentido ao passado e projecta o futuro. Ao superar a facticidade, atinge um estágio superior, que é a Existez, a pura existência do Dasein.

Tal passagem, porém não é feita sem dificuldade, pois o homem, mergulhado na facticidade, tende a recusar seu próprio ser, cujo sentido se anuncia, mas ainda se acha oculto. A angústia retira o homem do quotidiano e o reconduz ao encontro de si mesmo. A angústia surge da tensão entre o que o homem é e aquilo que virá a ser, como dono do seu próprio destino. 

Do sentido que o homem imprime à sua acção, decorre a autenticidade ou a inautenticidade da sua vida, o homem inautêntico é o que se degrada vivendo de acordo com verdades e normas dadas. A despersonalização o faz mergulhar no anonimato, que anula qualquer originalidade. E é o que Heidegger chama mundo do man e que designa a impessoalidade. Ao contrário, o homem autêntico é aquele que se projecta no tempo, sempre em direcção ao futuro. A existência é lançar-se contínuo às possibilidades sempre renovadas.
Entre as possibilidades, o homem vislumbra uma privilegiada e inexorável morte.
O ser-aí é um ser-para-a-morte. A máxima situação-limite, que é a morte, ao aparecer ao quotidiano possibilita ao homem o olhar crítico sobre sua existência. É a característica de inautenticidade abordar a morte enquanto morte na terceira pessoa.

Embora tenha se preocupado com a questão da existência, Heidegger recusa ser enquadrado entre os filósofos existencialistas, argumentando que as reflexões acerca da existência são, na sua filosofia, apenas introdução à análise do problema do ser e não propriamente da existência pessoal.

3. Sartre e o existencialismo

O existencialismo Sartriano sofreu influências de Husserl, Heidegger, Jaspers e Max Scheler, chegando até as obras de Kiekegaard.
Jean-Paul Sartre (1905-1980) escreveu O Ser e o Nada, em 1943.
Sua produção intelectual foi fortemente marcada pela segunda guerra mundial e pela ocupação nazista da França. O impacto da resistência francesa teve influências sobre sua concepção política de engajamento. Engajamento significa a necessidade de o pensador estar voltado para a análise da situação concreta em que vive, tornando-se solidário nos acontecimentos sociais e políticos de seu tempo. Pelo engajamento, a liberdade deixa de ser apenas imaginária e passa a estar situada e comprometida na acção. 
Sartre pertence à ala dos filósofos existencialistas ateus, entre os quais se inclui Merleau-ponty; na ala Cristã, está Gabriel Marcel.

Essência e existência
A existência precede a essência. Eis a frase fundamental do existencialismo. Para compreender o significado dela, é preciso rever o que quer dizer essência. A essência é o que faz com que uma coisa seja o que é, e não outra coisa.

Uma pessoa que crê em Deus, supõe que ele seja o artífice superior que criou o homem segundo um modelo, tal qual o artesão faz qualquer objecto. Daí deriva a noção de que o homem teria uma natureza humana, encontrada igualmente em todos os homens. Portanto, segundo essa concepção, a essência do homem precede a existência.

Sendo ateu, Sartre não idêntica a fabricação de coisas ao fazer-se do homem, e não aceita a concepção de criação divina a partir de um modelo. Por isso especifica que, ao contrário das coisas e animais, no homem a existência precede a essência, isso significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo. E só depois se define. Conforme Sartre, o homem se não é definivél, é porque primeiro não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele deseja após este impulso para a existência. O homem não é mais que o que ele faz.

A liberdade e a angústia
A diferença entre o homem e as coisas é que o homem é livre. O homem nada mais é que um projecto. A palavra pro-jecto significa, etimologicamente ser lançado adiante, assim como o sufixo ex da palavra existir significa fora. Só o homem existe (ex-siste) porque o existir do homem é um para-si, ou seja, sendo consciente, o homem é um ser-para-si, pois a consciência é auto-reflexiva, pensa sobre si mesma, é capaz de pôr-se fora de si. Portanto, a consciência do homem o distingue das coisas e dos animais, que são em-si, ou seja, como não são conscientes de si, também não são capazes de se colocar do lado de fora para se auto-examinarem. 

Quando o homem se percebe para-si, aberto à possibilidade de construir ele próprio a sua existência, descobre que, não havendo essência para lhe orientar o cominho, seu futuro se encontra disponível e aberto, estando portanto irremediavelmente condenado a ser livre. 

Dualismo Platónico e Suas Implicações Na Metafísica Do Ocidente

Vida e obra de Platão (427-334 a.c)

Aristócles, chamado Platão por causa da sua largura de ombros, é o mais célebre dos filósofos gregos. Nasceu em Atenas, em 427 a.C. Seus pais foram Aristão e Perizona, ambos descendentes das mais nobres famílias da Grécia. Foi o primeiro aluno dos sofistas e de Crátilo, discípulo de Heráclito antes de se ligar a Sócrates aos 20 anos.

Em 387, Platão fundou a academia, a primeira universidade do mundo cuja estrutura de seu programa era constituída pela matemática e pela geometria.

A redacção dos seus vinte e oito diálogos espalha-se por cerca de quarenta anos: dos primeiros, ditos socráticos aos diálogos da maturidade e da velhice. A figura de Sócrates idealiza-se enquanto se precisa a teoria das ideais é, nos últimos textos são abordados problemas mais concretos.

O comunismo platónico inspirou numerosas doutrinas sociais e políticas, desde, especialmente as utopias de Thomas More e Campanella até as doutrinas socialistas modernas sofreram a sua influência. De um modo mais real, Platão exerceu uma influência profunda sobre o conjunto de pensamento ocidental, tanto no domínio da teologia (Muçulmano, Judaica e Cristã), como na filosofia racionalista.

Segundo o dicionário de filosofia de G. Doirozoiv e A. Russell, dualismo designa-se a qualquer doutrina que, num determinado domínio de pensamento, defende a existência de dois mundos ou dois princípios irredutíveis.

Dualismo Cosmológico

Segundo Platão, existem dois mundos, o inteligível e o sensível, sendo o primeiro a causa do segundo.
No mundo inteligível encontra-se a ideia, o arché, como, a ideia de Bem, do Ser; a substância; o Espírito e a alma. Elementos que estão directamente relacionados com o conhecimento verdadeiro, a Episteme.

No mundo sensível, também denominado mundo terreno, encontram-se as cópias, as réplicas, as sombras das ideais existentes no mundo inteligível; a aparência, a matéria e o corpo. Elementos directamente relacionados com o conhecimento do povo opinativo e sensorial, a Doxa.

Mundo Inteligível

Para demonstrar a existência do mundo inteligível, Platão apresenta três argumentos:

a) Argumento da Reminiscência

Segundo Platão, as ideias como, a ideia de verdade, bondade, igualdade, a ideia universal do homem, não as tiramos da experiência. Portanto, o conhecimento actual é recordação de uma intuição que se deu em outra vida;

b) Argumento do verdadeiro conhecimento

Não existe ciência a não ser do verdadeiro. A verdade exige correspondência entre o conhecimento e a realidade. Mas o único conhecimento que merece o nome de ciência é o que diz respeito aos conceitos universais. Logo, deve existir um mundo inteligível, universal.

c) Argumento da contingência

Deve existir a ideia necessária e estática para que se explique o nascer e o perecer das coisas: uma coisa bela é bela não por certa combinação de cores mas porque é uma aparição terrena do belo em si. O dois é dois não pela adição de duas unidades, mas pela participação na dualidade.

Mundo Sensível

Platão afirma que existiam além das ideais, o caos e o Demiurgo (o artífice soberano).

O Demiurgo contemplando as ideias, compõe a matéria informe e assim, produz o mundo material. Terminada a formação do mundo, Demiurgo infunde nele uma alma universal a qual tem como função conservar a vida do mundo, sem necessidade de uma intervenção contínua do Demiurgo.

Dualismo Ontológica

On significa ser, Platão no dualismo ontológico trata exclusivamente do ser, e dos níveis do se.

Para Platão, há duas espécies de realidade: uma visível que jamais mantém identidade, e outra invisível idêntica a si mesmo.

Existem na escala dos seres quatro graus, a saber, dois no mundo sensível: as coisas sensíveis e as imagens. E dois no mundo inteligível: as ideias éticas e metafísicas, e as entidades matemática.

Ideia de bem/ser

Significa a verdadeira realidade. O suporte de toda existência. É a realidade das coisas existentes.

Objectos ideais das ciências

São todos os objectos de estudo das ciências. A este nível o estudo das figuras geométricas, dos problemas abstractos e as notas musicais, ajudam a preparar a alma para a compreensão do mundo inteligível.

Corpos visíveis

Incluem-se aqui todos os objectos da natureza, como por exemplo os animais, as plantas e todas as outras coisas.

Sombras

São as imagens reflectidas dos corpos. São também os reflexos visíveis num lago.

Dualismo Gnoseológico

Na problemática do conhecimento, Platão distingue dois tipos de conhecimento, o conhecimento intelectivo e o conhecimento sensível.

A distinção radical existente no mundo sensível entre as coisas e as ideais corresponde no mundo do conhecimento à uma distinção igualmente radical entre sensação e intelecção.

Os sentidos e o intelecto têm objecto próprio, o objecto dos sentidos é o mundo sensível, e o objecto do intelecto é o mundo ideal.

Os sentidos podem no máximo chegar a formar uma opinião (dóxa) sobre seu objecto. Ao passo que o intelecto produz um verdadeiro conhecimento (episteme), um conhecimento universal.

As ideias, os conceitos universais do conhecimento intelectivo não podem derivar-se por abstração do conhecimento sensitivo. Pois, as ideias depois de tê-las apreendidas no Hiperurânio, lembrama-nos delas quando estamos em contacto com as coisas materiais.

Platão distingue dois graus do conhecimento sensitivo (eikasia e pístis) e dois no conhecimento intelectivo (diánoia e nóesis).
Sendo a Eikasia a apreensão das imagens, a Pístis a percepção das coisas sensíveis, acompanhada da confiança na realidade dos objectos aprendidos pelos sentidos, a Nóesis o conhecimento directo e intelectivo da ideia pura, e a Diánoia o conhecimento das entidades matemáticas da na realidade dos objectos aprendidos pelos sentidos.

Para ilustrar a passagem dos graus do conhecimento inferior ao superior, Platão recorre ao mito da caverna. O mito mostra que a passagem de um grau para o outro se dá muito lentamente e com grande esforço. E que exige uma conversão, uma total mudança de mentalidade.

Dualismo Antropológico

Do dualismo do conhecimento, Platão procede o dualismo antropológico. Com efeito, se existem dois tipos de conhecimento, o sensível que depende do corpo, e o intelectivo dependente da alma, e se eles são tão diferentes, então o seu suporte, o corpo e a alma, também devem ser diferentes. O homem é assim, uma alma encarcerada num corpo. Mas se o conhecimento intelectivo é muito mais perfeito que o sensitivo, também a alma que o produz deve sê-lo.

O corpo significa a matéria, os sentidos, a prisão, o engano. A alma significa o espírito, a inteligência, a razão, a consciência, o conhecimento, etc.

Dualismo Ético

Toda a filosofia de Platão tem uma orientação ética: ela ensina o homem a desprezar os prazeres, as riquezas e as honras, a renunciar aos bens do corpo deste mundo e a praticar a virtude.

Platão acredita que o homem está na terra como de passagem e a vida terrena é como uma prova. A vida verdadeira é no além, no hades. No hades, a alma é julgada segundo os critérios da justiça e injustiça, da temperança e intemperanç, da virtude e do vício, que consiste na prática do bem e do mal.

Na sua concepção ética, Platão distingue dois princípios irredutíveis, o mal e o bem.
Os piores males são os que atingem a alma. O mal pode ser o pecado, o erro, a falsidade, os sentidos, o próprio corpo, a matéria, o sensorial, etc. O bem são os valores éticos positivos como, o bem, a justiça, a coragem, a virtude, a alma, o espírito, etc.

Na República, Platão demonstra que o mais feliz é o justo no meio do sofrimento do que o injusto no mar de delícias.

Implicação do dualismo platónico na metafísica do ocidente

Platão foi o iniciador da tradição filosófica ocidental. Algumas das ideias desenvolvidas pela filosofia platónica, com destaque para o dualismo antropológico, tornaram-se os fundamentos da filosofia ocidental, especialmente da metafísica ocidental.

A teoria platónica segundo a qual, a virtude se identifica com o conhecimento e o bem com a verdade exerceu grande influência na filosofia grega, e concretamente aos autores cristãos.

Segundo Fílon (13 a. C-40 d. C), a visão platónica da realidade é idêntica, em substância a da Bíblia. Ele chegou a esta conclusão mediante a interpretação alegórica das escrituras. Com tal interpretação descobriu na Bíblia doutrinas platónicas que ela contêm.

A constituição do homem em Platão que fundamenta a existência da alma e do corpo é uma das mais nítidas influências de Platão na metafísica do ocidente, com efeito, surge na metafísica do ocidente teorias como a da espiritualidade e imortalidade da alma. Doutrinas que resolvem o problema da sobrevivência da alma. Ela não morre com o corpo, nem está sujeito a um ciclo de reencarnações, mas é mortal: é criada imediatamente por Deus à sua imagem e é destinada a encontrar nEle a felicidade sem fim. A escatologia é também uma implicação do dualismo platónico.

Fonte:

ABBAGNANU, Nicoll. História da filosofia, Presencial editores, Lisboa, 1969.
DUROZO, G. & RUSSELL, A. Dicionário de filosofia, Porto editora, Lisboa, 2000.
MONDIM, Baptista. Introdução a filosofia, Paulus, São Paulo, 1980.
REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da filosofia: antiguidade e idade média, 3° edição, Paulus, São Paulo, 1990.