O ESTOICISMO – A vida virtuosa como caminho para a Felicidade
Das três grandes escolas pós-aristotélicas, a estoica foi de longe, do ponto de vista histórico, a mais importante.
O fundador da escola foi Zenão, em Chipre, de quem se conhece com verosimilhança o ano do nascimento, 336-35 a.C., e o ano da morte, 264-6.
Chegado a Atenas com os seus vinte e dois anos, entusiasmou-se, através da leitura dos escritos socráticos (os Memoráveis de Xenofonte e a Apologia de Platão), pela figura de Sócrates e julgou ter encontrado um Sócrates redivivo no cínico Cratete, de quem se fez discípulo. Seguidamente foi também discípulo de Estilpon e de Teodoro Crono. Por volta do ano 300 a.C., fundou a sua escola no Pórtico Pintado (Stoà poikíle), pelo que os seus discípulos se chamaram Estoicos. Dos seus numerosos escritos (República, Sobre a Vida segundo a Natureza, Sobre a Natureza do Homem, Sobre as Paixões, etc.) restam-nos apenas fragmentos. Os seus primeiros discípulos foram Ariston de Quios, Erilo de Cartago, Perseu de Citium e Cleanto de Assos, na Tróade, que lhe sucedeu na direcção da escola.
A produção literária de todos estes filósofos, que deve ter sido imensa, perdeu-se e dela só nos restam fragmentos. Estes nem sempre são referidos a um autor singular, mas amiúde aos Estoicos em geral, de modo que se torna muito difícil distinguir, na massa das notícias que nos chegaram, a parte que corresponde a cada um dos representantes do Estoicismo. Por isso se deve expor a doutrina estoica no seu conjunto, mencionando, quando possível, as diferenças ou as divergências entre os vários autores.
CARACTERÍSTICAS DA FILOSOFIA ESTOICA
A filosofia é exercício de virtude, mas por meio da própria virtude, já que não pode haver virtude sem exercício, nem exercício de virtude sem virtude.
O conceito da filosofIa vinha assim a coincidir com o da virtude. O seu fim é alcançar sabedoria que é a “ciência das coisas humanas e divinas”; mas a única arte para alcançar a sabedoria é precisamente o exercício da virtude. Ora as virtudes mais gerais são três: a natural, a moral e a racional.
A ÉTICA ESTOICA
Deus confiou a realização e a conservação da ordem perfeita do cosmos no mundo animal a duas forças igualmente infalíveis: o instinto e a razão. O instinto (hormé) guia infalivelmente o animal na conservação, na alimentação, na reprodução e em geral a tomar cuidado consigo para os f ns da sua sobrevivência. A razão é, por outro lado, a força infalível que garante o acordo do homem consigo próprio e com a natureza em geral.
A Ética dos Estoicos é, substancialmente, uma teoria do uso prático da razão, isto é, do uso da razão com o fim de estabelecer o acordo entre a natureza e o homem. Zenão afirmava que o fim do homem é o acordo consigo próprio, isto é, o viver “segundo uma razão única e harmónica”. Ao acordo consigo próprio, Cleanto acrescentou o acordo com a natureza e por isso define o fim do homem como “a vida conforme a natureza”. E Crisipo exprimo a mesma coisa dizendo: “viver conforme com a experiência dos acontecimentos naturais”. Mas parece que já Zenão tinha adoptado a fórmula do “viver segundo a natureza”. E indubitavelmente esta é a máxima fundamental da doutrina estoica.
Por natureza, Cleanto entendia a natureza universal, Crisipo não só a natureza universal mas também a humana que é parte da natureza universal. Para todos os Estoicos, a natureza é a ordem racional, perfeita e necessária que é o destino ou o próprio Deus. Por isso Cleanto orava assim: “Conduz-me, ó Zeus, e tu, Destino, aonde por vós sou destinado e vos servirei sem hesitação: porque ainda que eu não quisesse, vos deveria seguir igualmente como estulto”. Ora a ação que se apresenta conforme com a ordem racional é o dever (kathêkon): a ética estoica é, pois, fundamentalmente uma ética do dever e a noção do dever, como conformidade ou conveniência da ação humana com a ordem racional, torna-se, pela primeira vez, nos Estoicos, a noção fundamental da Ética. Efectivamente, nem a Ética platónica nem a Ética aristotélica fazem referência à ordem racional do todo, assumindo como seu fundamento, para a primeira, a noção de justiça, para a segunda, a de felicidade. A noção de dever não surgia no seu âmbito e nelas dominava a noção de virtude como caminho para realizar a justiça ou felicidade.
“Os Estoicos chamam dever àquilo cuja escolha pode ser racionalmente justificada. Das ações realizadas pelo instinto algumas são próprias do dever. Outras nem próprias do dever nem contrárias ao dever. Próprias do dever são aquelas que a razão aconselha efetuar, como honrar os pais, os irmãos, a pátria e viver em harmonia com os amigos. Contra o dever são aquelas que a razão aconselha a não fazer... Nem próprias do dever nem contrárias ao dever são aquelas que a razão nem aconselha nem condena, como levantar uma palha, pegar numa pena, etc.”.
Como nos refere Cícero, os Estoicos distinguiam o dever reto, que é perfeito e absoluto e não pode encontrar-se em mais ninguém a não ser no sábio, e os deveres “intermédios” que são comuns a todos e muitas vezes só são realizados com a ajuda da boa índole e de uma certa instrução. Esta prevalência da noção do dever levou os Estoicos a uma doutrina típica da sua Ética: a justificação do suicídio. Efetivamente, quando as condições contrárias ao cumprimento do dever prevalecem sobre as favoráveis, o sábio tem o dever de abandonar a vida mesmo se está no cume da felicidade. Sabemos que muitos mestres do Stoa seguiram este preceito que é, na realidade, a consequência da sua noção do dever.
Todavia, o dever não é o bem. O bem começa a existir quando a escolha aconselhada pelo dever vem repetida e consolidada, mantendo sempre a sua conformidade com a natureza, até tornar- se no homem uma disposição uniforme e constante, isto é, uma virtude. A virtude é, efetivamente, o único bem. Mas só é própria do sábio, isto é, daquele que é capaz do dever reto e se identifica com a própria sabedoria porque esta não é possível sem o conhecimento da ordem cósmica à qual o sábio se adequa. A virtude pode ter nomes diferentes segundo os domínios a que é referida (a sabedoria incide sobre os objetivos do homem, a temperança sobre os impulsos, a fortaleza sobre os obstáculos, a justiça sobre a distribuição dos bens).
Mas, na realidade, existe uma só virtude e só a possui integralmente aquele que sabe entender e compreender e cumprir o dever, isto é, só o sábio.
Entre a virtude e o vício não há, portanto, meio termo. Como um pedaço de madeira ou é direito ou curvo sem possibilidade intermédia, assim o homem é justo ou é injusto e não pode ser justo ou injusto só parcialmente. De facto, aquele que tem a reta razão, isto é, o sábio, faz tudo bem e virtuosamente, enquanto quem é privado da reta razão, o estulto, faz tudo mal e de maneira viciosa. É pois que o contrário da razão é a loucura, o homem que não é sábio é louco. Pode-se certamente progredir para a sabedoria. Mas como quem está submerso pela água, ainda que esteja pouco abaixo da superfície, não pode respirar como se estivesse nas águas profundas, assim aquele que avançou para a virtude, mas não é virtuoso, não está menos na miséria do que aquele que está mais longe dela.
Fonte:
ABAGNANO, N. História da f losof a. Volume III. Trad. bras. Armando da Silva Carvalho. Lisboa: Editorial Presença, 1969.
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